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COPENE – O caso Repensar 23 de junho de 2008

 

 

 

Friz Lang, Metropolis, 1927

Friz Lang, Metropolis, 1927

 

O artigo publicado a seguir é de Denise Lemos, que foi Diretora da Divisão de Desenvolvimento de Recursos Humanos (Direc), da COPENE (BA), hoje Braskem. O artigo trata  do Projeto Repensar. O Projeto centrou-se em mudanças da organização do trabalho. A Germinal Consultoria participou intensamente desse processo e acompanhou todo o desenvolvimento do Projeto.

Foi da Germinal, por exemplo, a responsabilidade pela concepção e desenvolvimento do  Seminário Gerencial, com 40 horas de duração, que deu início e acompanhou o desenvolvimento do projeto. Como diz Denise, o seminário atendeu a todos os gerentes, supervisores e técnicos da COPENE.

 

 

 

 

 

 

Revolução no trabalho? O caso do Repensar [1]

 

 

 

I. Sumário

O objetivo desse estudo é avaliar uma experiência de mudança organizacional que se desenvolveu na Copene – Petroquímica do Nordeste S.A, no período de 1988 à 1992, e foi conduzida pelo órgão de Recursos Humanos. O eixo central da intervenção foi a organização do trabalho, no sentido de romper com a lógica taylorista, buscando a integração da concepção e execução, desenvolvendo mais autonomia, participação e criatividade. Os resultados mostraram uma experiência inovadora, em relação às práticas de gestão de pessoal nas organizações no Brasil.

Abstract
The aim of this paper is to evaluate an experience of organizational change, which was developed at Copene – Petroquímica do Nordeste S.A. ,from 1988 to 1992 and that was conducted by an Human Resources Department . The pivot of the intervention was the organization of the work to break with the taylorist logic, seeking the integration of conception and execution, developing more autonomy, participation and creation. The results showed an innovative experience in relation to the practices of personal management in the organizations in Brazil.
Palavras chave – organização do trabalho; mudança organizacional; democracia do trabalho; alienação do trabalho; Recursos Humanos.

Introdução

Com o advento do taylorismo e da administração científica em decorrência das necessidades de aumento de produção e da produtividade, o ser humano no trabalho passou a ser visto como recurso ou fator produtivo, fruto de uma sociedade centrada no mercado (Mattos, 1992). Dessa forma, passa a ser tratado como tal através das políticas e práticas dos orgãos de Recursos Humanos das Organizações.

Por outro lado, os altos e baixos da trajetória econômica brasileira com as suas repercussões no meio empresarial, fazem com que a atuação de Recursos Humanos, adquira um caráter casuístico, reativo e dependente dos modelos das multinacionais ( Resende, 1989). O trabalho fragmentado e as mudanças tecnológicas são encarados de forma acrítica, como algo que está dado e cuja função do profissional de Recursos Humanos é pensar meios para aumentar a sua adaptação e adesão aos procedimentos estabelecidos. Nesse sentido essa função organizacional assume um papel claramente reprodutor e consolidador do sistema de gestão taylorista do trabalho, buscando artifícios “humanizadores” que atuam em características periféricas, não atingindo a essência da organização do trabalho nem das relações de poder.

Dentro deste panorama, emerge uma experiência diferenciada, conduzida pelo orgão de Recursos Humanos da Copene – Petroquímica do Nordeste S.A. empresa que coordenou a implantação do Polo Petroquímico de Camaçari na Bahia, no período de 1986 a 1992.

A referida equipe obteve uma formação profissional contrária ao contexto de sua época, a qual tinha como eixo central uma concepção do trabalhador como ser humano integral, que pensa sente e age (Rivière, 1979); ser histórico e socialmente determinado; ser de relação. Também uma concepção do trabalho em si como fonte central da identidade do indivíduo, sendo portanto fundamental uma postura crítica diante da organização taylorista do trabalho. A participação e as condições saudáveis de trabalho também ocupavam lugar de destaque. A partir de uma pesquisa social de necessidades em parceria com a UFBA, colocou-se o desafio de encaminhar um processo de mudança organizacional próprio, direcionado para os dados da realidade identificados na organização. Esse trabalho teve como centro a crítica à organização do trabalho e a proposição de um trabalho emancipador, nos termos definidos por Cherns (1965).

O objetivo desse trabalho é analisar a experiência de mudança organizacional, conduzida pelo orgão de Recursos Humanos, que foi denominada de “Repensar” e teve como pontos principais: a revisão crítica da organização do trabalho; a proposição de mecanismos de participação do trabalhador; a proposição de condições de trabalho mais igualitárias e promotoras da saúde do trabalhador.

A escolha desse objeto de pesquisa se deve ao fato de ser uma experiência inovadora em termos das organizações brasileiras, de difícil implantação, por ter um caráter democratizador das relações e de emancipação do trabalhador, quando sabemos que a cultura do empresário brasileiro é basicamente voltada para grandes margens de lucro, custos baixos com mão de obra , controle e disciplinamento.

A pesquisa se constituiu num estudo de caso de uma experiência concreta, o Repensar, que se desenvolveu numa organização, a Copene, sendo que a pesquisadora participou da experiência, no papel de chefe da Divisão de Desenvolvimento de Recursos Humanos (Direc), o que implicou em facilidades e dificuldades de ordem metodológica. O levantamento dos dados, ou seja, a investigação de campo, foi feita através de uma amostragem estratificada de natureza qualitativa, onde se buscou entrevistar os informantes chave, ocupantes de diferentes cargos na empresa, inclusive o sindicato (na época o Sindiquímica ) para obter uma percepção do objeto de investigação, sob óticas diversas e inclusive contrapostas.

 

O processo de trabalho na indústria petroquímica e na Copene

A petroquímica é uma indústria de processo de produção contínuo, realizado por um complexo integrado de equipamentos industriais automatizados. O trabalhador não possui uma intervenção direta, seu papel é controlar as variáveis das reações físico químicas como pressão, vazão, temperatura, atuando quando o sistema sai fora das especificações programadas. A automação é requerida porque a pressão e a temperatura são muito elevadas podendo provocar explosões, sendo portanto, variáveis inviáveis de serem manipuladas pelo ser humano. O processo é perigoso e exige perícia nas decisões e atenção aos procedimentos de segurança. Os produtos da Copene são petroquímicos básicos como o Eteno, Benzeno, Tolueno etc e utilidades como energia elétrica, água etc, em grandes quantidades. As matérias primas utilizadas são a nafta, gás, gasóleo fornecidos pela Petrobrás. A programação da produção, manutenção e segurança é feita pela engenharia e técnicos especializados, cabendo aos operadores executar as instruções definidas. Alguns operadores possuem um serviço mais braçal e atuam área junto aos equipamentos, abrindo e fechando válvulas, registrando os dados das variáveis de processo ou verificando a condição de algum equipamento. Outros atuam na “sala de controle” acompanhando o desempenho da área através de painéis de controle. Existe um operador mais qualificado que é responsável por uma determinada área e coordena o trabalho dos demais. Quando o processo está normal os operadores não tem nada a fazer de uma forma geral em termos da intervenção no processo, mas é necessária uma atenção concentrada no controle dos indicadores do fluxo dos produtos; a intervenção se dá quando o previsto não ocorre na prática. O regime de trabalho é revezamento de turno. Na Copene os operadores representavam 76% da força de trabalho no início da década de 80.

É um trabalho que exige um esforço físico, principalmente nas paradas de manutenção. Um esforço mental em termos de raciocínio, atenção concentrada, memorização, rapidez de pensamento nas emergências, esforço visual e auditivo para detectar anormalidades no processo.

Durante a década de 80 a Copene adota uma política de estabilidade no emprego para conseguir também a estabilidade do processo de trabalho. Os salários ficam acima do mercado do ramo do comércio e construção civil. Além de benefícios e atividades de integração social, buscando em contra partida a adesão dos trabalhadores, considerada como privilegiada. Entretanto Pecchia, (1985), coloca que a despeito dos altos salários há uma consciência das perdas salariais e do poder aquisitivo em função da inflação e da crise.

 

O poder da hierarquia


A implantação do pólo petroquímico enfrentou a falta de mão de obra especializada e gerencial. Muitos engenheiros inexperientes do ponto de vista gerencial, foram colocados na posição de chefia. Por outro lado a grande maioria era do sul do país enquanto os operários eram baianos, o que de certa forma representou uma variável importante na gestão de pessoal. (No primeiro ano de operação, durante os festejos juninos faltaram ao trabalho em torno de 100 operadores). Nessa época , a partir 1979 a área administrativa emerge com um grande poder de definição de regras e procedimentos administrativos uma vez que era uma das poucas que detinham um conhecimento anterior correlato ao da Petroquímica. Outro aspecto é que a maioria dos chefes era oriunda da cultura Petrobrás, bastante marcada pela cultura militar. Segundo Pecchia,(1995) embora o medo fosse usado como meio de impedir a organização operária, poderia transformar-se numa reserva de revolta. E foi o que aconteceu nos anos que se seguiram. Os chefes eram vistos como autoritários e os operários muitas vezes se sentiam humilhados.

Havia um clima de tensão contínua não só pela pressão da hierarquia mas pelos riscos de explosões, intoxicação química e nível de ruído. Por outro lado o esquema de revezamento de turno isola socialmente os operários da família e amigos tornando-o “anti-social” e dificultando o seu lazer. Guimarães(1988) observa que:” exatamente ali onde parecia portar todas as condições objetivas para o surgimento de uma aristocracia operária, emergia um segmento cujo discurso repousava numa ideologia de natureza anti-patronal”. Complementando, segundo Castro e Guimarães (1995) os operários do Pólo Petroquímico não se percebem como técnicos e sim como peões, ao lhe serem relegadas tarefas pesadas e de pouca interferência no processo. Ao mesmo tempo em que alijados de uma cidadania operária ou do convívio social, embora não vivenciem uma exclusão material, vivenciam uma exclusão simbólica.

 

A atuação do órgão de Recursos Humanos da Copene e o processo do “Repensar”.

O estilo autoritário de gestão se configurou como um obstáculo à coordenação das ações produtivas. Foi um dos motivos pelos quais a Copene teve sérios problemas na sua fase de partida operacional, que culminou com a demissão de todo o corpo gerencial da área de produção. Ficou claro logo de início a necessidade de formar gerentes para uma maior compreensão e aproximação com os trabalhadores. Inicialmente os treinamentos tinham uma característica bastante burocrática e taylorista que era treinar em planejamento, controle e organização, evoluindo para o desenvolvimento do estilo participativo de gestão. Na pesquisa desenvolvida por Pecchia, (1985) os operadores consideraram na época que os chefes após o treinamento se tornaram mais fechados e autoritários. É um momento em que os trabalhadores já vivem o início de um processo de perdas salariais, bastante exploradas pelo sindicato. As relações empresa e sindicato são difíceis, fechadas e a Copene é vista como desafio, pois é onde o sindicato historicamente possuía um menor número de filiados. Até então (1978 a 1985) só havia ocorrido uma greve de fome (1980) que causou um forte impacto e temor na hierarquia. Em 1985, a Copene é o palco central da primeira greve geral no pólo pelo seu papel estratégico de fornecedora de matérias primas. A produção foi paralisada durante uma semana, sob o comando do sindicato que se apossou das instalações da empresa, o exército foi chamado para fazer a reintegração de posse. Essa greve causou uma ruptura significativa nas relações empresa empregado e entre os empregados que aderiram e os que não aderiram ao movimento. A partir daí a estratégia da empresa foi resgatar essas relações internas e manter o sindicato afastado e sob controle.

Emerge então um novo modelo de RH cujas diretrizes eram: aperfeiçoar as relações empresa e empregado, promover um ambiente de participação, e promover um modelo de comunicação ascendente e descendente. Dessas diretrizes surge como estratégia a idéia de realização de uma Pesquisa Social que pudesse fundamentar a definição das Políticas na área humana.

Programas se proliferaram a partir daí sendo os principais o PRT (planejamento e revisão do trabalho), um sistema de metas compartilhadas e avaliadas conjuntamente por chefes e subordinados e os mecanismos de participação (reuniões e contatos com os empregados sobre as questões do trabalho). O PRT funciona bem em algumas áreas administrativas, mas é visto como mais um instrumento de controle entre os operários. Os mecanismos de participação, não se implementam de fato.

A pesquisa social é aplicada em 1987 em conjunto com o ISP da UFBA a 1328 empregados, fornecendo dados da empresa como um todo e dados por setor, gerando a contingência para os chefes, de trabalhar esses dados diretamente com seus subordinados. Apesar dos dados gerais e quantitativos serem positivos (60% de satisfação com o trabalho) os dados setoriais e qualitativos indicavam os pontos de investimento. A partir desses dados, nova lista de programas e ações é implementada: o PRT que tem aumento de mérito como conseqüência, revisão da estrutura e carreira salarial com ajustes e reclassificações em vários níveis; seminários de RH com os empregados esclarecendo dúvidas sobre seus direitos na fábrica; revisão do regime disciplinar e criação de uma norma de reconhecimento; fortalecimento do programa de prevenção às doenças ocupacionais; elaboração de um projeto de redução do ruído; construção de um refeitório único de bom padrão para chefes e empregados; criação de grupos de trabalho sobre alimentação e transporte: criação de um mecanismo permanente de monitoramento das relações de trabalho. A partir desse momento o órgão de Recursos Humanos denominado Direc (Divisão de Desenvolvimento de Recursos Humanos), concentra-se fortemente nos programas de melhoria das condições de trabalho deixando de lado os pacotes importados.

 

O processo do repensar.


Até 1986, a Direc (Divisão de Desenvolvimento de Recursos Humanos) não tinha um projeto próprio e amplo para a organização como um todo, e decide então formular uma estratégia de acordo com seus valores e marcos referenciais, assumir de forma mais significativa o comando das políticas e práticas relacionadas com os trabalhadores. A trajetória de formação desses profissionais, os levaram em primeiro lugar a considerar uma visão histórica dos movimentos do trabalho (taylorismo e fordismo) como processos básicos para se pensar uma função de RH que pudesse contribuir para construir um outro modelo de organização do trabalho que pudesse recuperar as funções humanas de pensar, sentir e agir perdidas no tempo. É nesse sentido que a Direc formula sua missão como buscar a melhoria das relações e da organização do trabalho, assegurando à Copene e seus empregados, desenvolvimento, valorização, respeito, confiança e compartilhamento dos resultados. Havia uma consciência crítica nos seus integrantes de que o seu papel não poderia ser o histórico reprodutor de controle da força trabalhadora mas de acionador de uma canal recuperador da sua fala e do trabalho em si.

As bases conceituais usadas como marcos referenciais na condução do trabalho, foi basicamente a teoria da Análise Sócio Técnica, com assessoria de Peter Spink (Professor da Pós Graduação da PUC e FGV de São Paulo), o modelo de mudança baseado na reorganização do trabalho do CENAFOR, de base marxista, com assessoria de Antônio Kuller e mais no fim o referencial da Psicologia Social de Pichon Riviére, que integra conceitos marxistas com conceitos psicanalíticos.

Como estratégia inicial emerge a idéia de um Seminário Gerencial de 40 horas, onde os participantes eram colocados num contexto dramático como se estivessem no futuro e a Copene tivesse ganhado um prêmio da melhor empresa do ano nas relações de trabalho. O seminário se desenvolve fazendo uma retrospectiva vivencial da história do trabalho, artesanato, taylorismo, fordismo, entra pela história da Copene, inclusive com a vivência da greve de 1985, chega ao presente e a um projeto para que a Copene possa ganhar o prêmio. O desafio simbólico era: como recuperar as características do artesanato numa empresa automatizada e taylorizada como a Copene. Esse seminário foi aplicado a todos os gerentes, supervisores e técnicos de nível superior, perfazendo um total de aproximadamente trezentas pessoas. Ao retornar às suas áreas os gerentes começaram a elaborar projetos de mudança tendo como base a reconcepção do trabalho, nos termos da Análise Sócio Técnica.

Importante ressaltar que não havia um projeto pré-concebido de como fazer, as idéias foram surgindo a partir da realidade de cada área. Uns se envolveram mais, outros menos, mas o processo foi se proliferando e emergiu o nome “Repensar”, o qual foi considerado pela empresa como um projeto organizacional com a orientação da direção de se generalizar por toda a empresa, a partir de 1988. O “Repensar” não tinha instruções operacionais mas tinha algumas diretrizes: superar a fragmentação do trabalho, unindo concepção com execução; exercício de uma gestão compartilhada; e desenvolvimento de uma consciência crítica da realidade.

Havia uma certa insegurança de alguns gerentes em relação ao alcance do processo, pois devido a uma cultura de centralização de decisões, a proposta parecia ser subversiva. Os empregados inicialmente encararam com muita desconfiança, como um possível instrumento de demissão, em seguida muitos deles demonstraram um forte envolvimento e motivação.

 

Efeitos do processo do “Repensar” na organização, relação e condições de trabalho, assim como no sistema de gestão.


O Repensar resultou em alterações significativas em termos da reconcepção dos postos de trabalho em todos os níveis principalmente o de operador e engenheiro (tanto o operador quanto o engenheiro executavam tarefas rotineiras e simples e passaram a ser treinados para exercer um novo papel mais complexo e condizente com a sua formação). Foi criado o PDO – plano de desenvolvimento do operador. Outros postos de trabalho foram extintos como, por exemplo, o de secretária e as pessoas passaram a exercer funções mais complexas. Foram criados e colocados em prática os mecanismos de participação: “Fale francamente”- reunião do Diretor Superintendente com os operários sobre as questões do trabalho; reunião do “pula um”- reunião do gerente com o nível de execução das tarefas da sua gerência, pulando o chefe de divisão; reunião de informação gerencial – encontro da diretoria com todas as chefias para discutir temas de importância das relações de trabalho; seminários para todos os empregados sobre a história da organização do trabalho; comitê de RH – reunião de todos os gerentes para decidir conjuntamente sobre os projetos na área de RH.

Ocorreu também a reconfiguração do PRT (planejamento e revisão do trabalho – sistema de metas de trabalho negociadas) de tal forma a torna-lo um instrumento de planejamento e acompanhamento grupal, cabendo à equipe e não mais só ao chefe a avaliação do empregado. O processo incluía uma autoavaliação. Criação de um grupo de trabalho formado por empregados para estudar e propor melhorias no PRT inclusive a sua conexão com o sistema de participação nos lucros .Criação de um grupo de empregados para rever o sistema de controle de pessoal e de discriminação dos empregados de nível médio. Esse grupo conseguiu a extinção das normas discriminativas (viagem, crachá, treinamento etc) e conseguiu abolir o sistema de ponto para toda a empresa, aplicado ao pessoal de nível médio. O supervisor da produção assumiu um novo papel o de chetur (chefe de turno), alcançando níveis de autonomia de chefe divisão, podendo assim gerir plenamente o seu pessoal. Formalização de um relatório semestral sobre os indicadores das relações do trabalho.

 

Avaliação dos resultados da experiência.

É percepção geral de todas as posições analisadas que o Repensar alterou a organização do trabalho, mais significativamente em algumas áreas do que em outras, embora em alguns órgãos tenham se limitado a rever sua estrutura hierárquica. O eixo central da mudança era o conteúdo do trabalho no sentido de enriquecimento das tarefas, a eliminação de tarefas repetitivas, e também a alteração das condições físicas de trabalho. Nesse processo, como o nível médio passou a desenvolver atividades de nível superior, esse precisou Repensar seu papel através de seminários onde se trabalhou a ameaça de perda de status e os novos papeis a serem assumidos. A idéia era: o engenheiro tem que “engenheirar”. A inversão da pirâmide na operação criou um número maior de vagas para os cargos mais nobres e conseqüentemente, a política de multifuncionalidade para o operador conhecer várias áreas. Os sistemas do PRT serviram de base, depois, para o de participação nos lucros. Houve a eliminação do ponto e das medidas discriminativas entre empregados de nível médio e superior.

Com relação à questão colocada na utopia do Repensar de romper com a lógica taylorista e resgatar as características possíveis do artesanato, as opiniões se dividem: por um lado se considera que no caso da engenharia sim, e inclusive, no seminário nacional de engenharia de processo, as pessoas relataram como estavam quebrando com o taylorismo nas suas áreas; por outro, há uma percepção que considera não ser possível se conseguir totalmente, que na atividade industrial é impossível, embora tenha se reduzido substancialmente as características tayloristas dessas atividades, principalmente no que diz respeito ao controle. Uma outra percepção é que o Repensar foi eficaz em devolver o controle do trabalho ao trabalhador, gerando um ambiente de liberdade de expressão e criatividade.

O Repensar resgata a figura do artesão simbolicamente, como bandeira do resgate da humanidade do trabalho, e parece que, embora não se possa afirmar que a experiência vivida alterou a essência alienante da relação de produção, ou que se resolveu a questão da alienação de uma forma plena, pode-se afirmar que, ao provocar alterações na organização do trabalho em si, foi possível gerar um processo em que as pessoas vivenciaram um período de satisfação no desenvolvimento do trabalho, pelo fato de estarem participando da sua criação.

As pessoas se sentiam, como coloca Quiroga (1998), integrados em si mesmos e com os outros, uma vez que podiam se assumir na condição de produtor e exercer sua capacidade crítica da realidade e transformar. Nesse sentido, poderíamos dizer que o processo se constituiu num laboratório de experimentação social, no momento em que criou condições ou experiências parcialmente desalienantes, diminuiu a distância entre concepção e execução (passagem de atividades da engenharia para produção), criou perspectivas de desenvolvimento na direção da ampliação do escopo do cargo (plano de carreira com inversão da pirâmide da operação), gerou um processo amplo de participação na definição das regras organizacionais, resultando em medidas de redução do controle das pessoas e do trabalho, aumento de autonomia, de poder de decisão e participação nos lucros (fim do controle de freqüência através do ponto, fim das discriminações entre nível médio e nível superior, sistema de participação nos lucros).

A experiência desenvolveu a relação do homem com o seu trabalho e com os outros homens em algumas dimensões, dentro da perspectiva colocada por Marx que considerava a recuperação do sentido do trabalho como a produção de um tipo de vida, de uma subjetividade permeada de sentimentos de auto realização, satisfação das suas potências essenciais, onde as pessoas pudessem usar plenamente as suas capacidades físicas e mentais.

 

Conclusões.


O Repensar, como vimos pela descrição das práticas antecedentes de Recursos Humanos, foi uma experiência construída em 15 anos; de uma forma incipiente no período anterior à greve, e com um impulso significativo após o conflito de 85 pela necessidade da empresa de recompor seu espaço interno junto aos empregados. Contou com o apoio do cenário político de abertura e surgimento do novo sindicalismo. Internamente com o desejo da empresa de se afastar da cultura Petrobrás, de ser moderna e de vanguarda. Tinha à frente,um órgão de Recursos Humanos que já vinha empreendendo ações no sentido de criar uma abertura interna e ter uma proposta própria, alternativa ao que era padrão na área. Diante de todos esses fatores, o que nós poderíamos acentuar seria o contexto externo de abertura e a greve de 85 como predominantes e dizer que o Repensar foi, em certo sentido, uma conquista dos trabalhadores.

Com relação ao modelo de Recursos Humanos, o Repensar desenvolveu realmente uma abordagem atípica, diante das práticas da época; mas isso não seria possível se não houvesse esses cenários, interno e externo, absorvendo e integrando a experiência, tanto é que hoje, onze anos após a implantação das diretrizes neoliberais nas empresas, a área de Recursos Humanos sofreu uma redução significativa da sua atuação, ficou sem tarefa, quer pelos processos de demissão em massa, quer pelo advento da Qualidade Total. É raro se encontrar hoje uma equipe, dentro de uma organização, desenvolvendo um trabalho que implique numa proposta própria, até porque muitas empresas extinguiram seus departamentos de RH ou o subordinaram ao da Qualidade. Por outro lado, a condução de um processo com essa dimensão por quatro pessoas, auxiliadas mais de perto por um grupo de onze gerentes, demonstra o papel dos sujeitos na transformação de uma realidade. Na comparação com a proposta da Qualidade Total, efetivamente o Repensar se mostrou ser uma estratégia diferenciada, quer conceitualmente, quer na prática, muito embora tenha causado confusão para algumas pessoas em determinado momento. A imagem trazida de que “a Copene substituiu as pessoas pelos procedimentos” traduz bem essa diferenciação; inclusive é a própria empresa que avalia hoje que a Qualidade Total padronizou muito e tolheu a criatividade e que agora estava tentando recuperar a autonomia do operador com o TPM. (manutenção da produtividade total).

O Repensar efetivamente não rompeu com a lógica taylorista na sua essência, principalmente no que diz respeito à separação entre concepção e execução, mas alterações foram feitas no âmbito do trabalho nesse sentido. Houve uma significativa melhoria das condições de trabalho e o mais importante é que foram criados espaços de conscientização, participação e tomada de decisão, cujo significado para as pessoas, poderíamos supor, foi parcialmente desalienante, uma vez que possibilitou pensar sobre o que faziam e como faziam, sugerindo alterações, questionando os mecanismos de controle e participando de decisões sobre as regras de gestão da empresa. Esses espaços de participação confrontaram a lógica taylorista do controle externo ao trabalho, devolvendo ao trabalhador a possibilidade de definir como queria trabalhar.

A experiência mostrou que, pensar coletivamente a organização do trabalho em si, pode ser um âmbito de fundamental importância, se considerarmos que a mudança das relações sociais acontece de forma processual, através de frentes que permitem iniciar experiências de participação e construção de uma nova forma de se organizar a produção social, e da sociabilidade dentro de um sistema capitalista. Nesse sentido, as dimensões mais atingidas pelo Repensar foram: a relação do trabalhador com o seu produto do trabalho, a relação com o outro trabalhador, e a relação consigo mesmo, gerando uma satisfação em trabalhar, um clima de alegria e afetividade, integrando o pensar sentir e agir; como também um padrão de relações interpessoais pautado na cooperação e na amizade.

O Repensar foi um processo contraditório por lidar de um lado, com uma cultura extremamente autoritária e de outro, com a possibilidade de mudança dessa cultura, através de um modelo de racionalidade oposta; isso gerou em muitos momentos confusão, insegurança, mistura de objetivos. Um processo que emergiu da história, da petroquímica, da Copene, das pessoas envolvidas; não foi uma receita pronta, importada dos EUA ou Japão, até porque um dos valores era a construção conjunta, a partir do ponto onde mais incomodava aos trabalhadores, cada grupo poderia ter o seu caminho. Nesse sentido, o Repensar foi um processo legítimo. A teoria Sócio Técnica serviu como referência, mas não como modelo acabado, de forma geral, foram usadas diretrizes e não procedimentos.

A analogia feita com um movimento político em algumas percepções denota não só essas contradições, mas o aspecto do processo construído. O grupo que liderava o Repensar era visto como a “oposição”, e o grupo que resistia como a “situação”. Entretanto, quando o Repensar se torna oficial, a oposição passa a ser também situação e a situação, oposição. Isso implicava numa luta de poder muito grande entre o escalão dos chefes de divisão, que lideravam o Repensar, e seus próprios chefes, os gerentes, que eram contra; nesse sentido, em termos do poder hierárquico, a ascensão do Repensar significou de certa forma uma inversão do comando da empresa, os chefes de divisão passaram a ter mais força do que os gerentes , seus superiores. Essa idéia do Repensar enquanto um movimento político, a exemplo do movimento estudantil, de esquerda, dá a dimensão do fato de ter sido efetivamente uma proposta que encerrava um sentido crítico permanente da realidade, à luz de valores e princípios emancipadores do trabalho humano.

Uma outra dimensão importante do Repensar era a inexistência de pressão por prazo, o qual era definido internamente pelos grupos, de acordo com suas necessidades. Hoje nós vemos um processo de alienação progressiva nas empresas, fruto do que Harvey denominou da compressão tempo espaço, oriundo da aplicação da velocidade do capital financeiro à vida nas empresas e à vida social em geral. Inclusive é um aspecto que gera muito stress na Copene de hoje, que já pensa em estabelecer uma estratégia para que os trabalhos sejam entregues antes dos prazos estipulados.

O Repensar morreu enquanto “movimento”, morreu enquanto processo participativo e de valorização do ser humano. No lugar de discutirem o sistema de controle do trabalhador, a avaliação de desempenho ou a participação nos lucros, hoje, os empregados discutem sobre a ceia de natal e a festa de São Jõao; no lugar de assistirem a palestras sobre a conjuntura política econômica e social com os maiores nomes da academia, hoje, os empregados assistem palestras sobre férias e emprego doméstico; no lugar de conseguirem um grande projeto de redução do ruído na área e um refeitório de excelente nível de alimentação, os empregados conseguem que a empresa pague a sua parte da assistência médica supletiva com antecedência, referente a eventos de grande porte como o enfarto, para que caso ocorra e seja necessário fazer uma ponte de safena, já esteja pago. Hoje o lugar onde os empregados se sentem “gente”, segundo Recursos Humanos é no ônibus, fora da empresa, jogando dominó, atividade que a empresa quer proibir por razões de segurança.

Mas o Repensar deixou algumas alterações na organização do trabalho as quais existem até hoje; deixou também, na representação das pessoas que participaram mais diretamente, a idéia, o sentimento e até ações que denotam que foi um processo que valeu a pena, uma referência, um exemplo de possibilidade. Quatro trabalhos já foram desenvolvidos, inspirados no Repensar: uma tese de mestrado sobre o papel do diálogo; uma monografia de especialização sobre motivação onde foram reunidos empregados de vários segmentos da empresa para debater a temática e o que emergiu foi o Repensar como exemplo de estratégia motivadora e segundo um dos autores, a maior parte do tempo foi gasta com os empregados antigos explicando para os novos o que tinha sido o Repensar; uma monografia de especialização que também descreve o Repensar; um livro contendo uma crítica a todas as escolas de Recursos Humanos e à Qualidade Total, apresentando o Repensar como uma atividade de criação humana.

 

Para além do Repensar.


O Repensar foi uma experiência que aproveitou os espaços deixados pela contradição capitalista, que ao mesmo tempo em que gera passividade e reprodução, incita, segundo Bihr,( 1998), indivíduos e grupos a se colocarem, mesmo que formalmente, como sujeitos políticos, reivindicando soberania sobre os diferentes atos da vida social.

Ao formular as “vias de renovação” do capitalismo, o autor propõe, como já vimos, a redução da jornada de trabalho, e um trabalho desenvolvido de forma a integrar concepção e execução, valorizando o ser humano. Propõe ainda uma renda social como um direito que a sociedade assegura ao cidadão, durante toda a sua existência, em troca da sua participação no desenvolvimento do trabalho socialmente necessário. Esse aspecto descaracterizaria o que hoje se pratica como “renda mínima”, de natureza assistencial que termina por colocar o indivíduo na posição de proscrito e suspeito de vagabundagem. Essa renda social seria um mecanismo de promover o trabalho para todos, resolvendo o problema do desemprego.

Para Antunes (1999), a redução da jornada de trabalho (sem redução de salário) tem sido uma das mais importantes reivindicações do mundo trabalho, por se constituir num mecanismo de contraposição à extração do sobretrabalho, realizada pelo capital desde a sua gênese. É um debate que possibilita uma reflexão fundamental sobre o auto controle, sobre o tempo dedicado ao trabalho e o tempo de vida, como também, por permitir o afloramento de uma vida de sentido fora do trabalho, assim como articular a ação contra o controle opressivo do capital. Para o autor, reduzir só o tempo em si não é suficiente, mas também a intensidade das operações realizadas, pois na prática não haveria avanço se o tempo é reduzido e adicionada uma sobrecarga de trabalho.

Nesse ponto é que Antunes (1999), relaciona uma vida de sentido fora do trabalho com uma vida de sentido dentro do trabalho, uma vez que é impossível compatibilizar trabalho assalariado, feitichizado e estranhado, com o tempo verdadeiramente livre. Para o autor, como o sistema global dos nossos dias abrange também as esferas da vida fora do trabalho, a desfetichização da sociedade do consumo tem como corolário a desfetichização da produção das coisas, o que torna necessário uma ação pelo tempo livre interrelacionada com uma luta contra a lógica do capital e do trabalho abstrato. O que coloca em cena a questão do que produzir e para quem.

Se a busca é pelo sentido do trabalho, o objetivo não poderia se restringir à organização do mesmo, ao trabalho para todos e à renda social, mas deveria se ampliar no sentido de buscar o trabalho socialmente necessário, colocando prioridades e limites ao desenvolvimento cego e destrutivo das forças produtivas de hoje. Destrutivas não só em termos da natureza, mas também da exploração da força de trabalho humana, do gigantismo dos meios de produção e da perversão do sistema social de necessidades.

Em função disso é que Bihr (1998) propõe avançar na via de controle do uso das forças produtivas pela sociedade, em primeiro lugar, pelo proletariado; e para isso propõe alguns critérios para a reorientação da produção social: um critério ecológico, com o favorecimento de produtos e modos de produzir que economize e preserve os recursos naturais, assim como mantenha o equilíbrio ecológico; um critério de economia do trabalho, ou seja, procurar satisfazer da melhor maneira possível as necessidades sociais com o mínimo de recursos naturais e trabalho social; utilidade social, na forma de uma reorientação da produção para necessidades coletivas no lugar das individuais, em matéria de saúde, educação, cultura, transporte e habitação. Abandono de produções socialmente inúteis ou nocivas, como as indústrias de armamentos, e alguns setores da indústria química; critério organizacional no qual haveria uma descentralização e desconcentração do aparelho produtivo e da gestão da sociedade, com o objetivo de promover o controle da comunidade e a autogestão das unidades de produção pelos trabalhadores; cooperação internacional, no sentido de tornar o sistema produtivo útil não só para os países desenvolvidos, mas também para os países do terceiro mundo, e engajar-se na luta contra a dependência e subdesenvolvimento.
Antunes (1999) considera que a luta pela redução do tempo de trabalho e ampliação do tempo fora do trabalho deve estar articulada à luta contra o sistema de metabolismo social do capital que converte o “tempo livre” em tempo de consumo para o capital, onde o indivíduo é impelido a capacitar-se para melhor competir no mercado de trabalho, ou ainda, exaurir-se num consumo coisificado e feitichizado, inteiramente desprovido de sentido. Para o autor, os fundamentos básicos da criação de um novo sistema, baseiam-se em dois princípios : o sentido da sociedade voltada exclusivamente para o atendimento das efetivas necessidades humanas e sociais, e o exercício do trabalho como sinônimo de auto-atividade, atividade livre, baseada no tempo disponível. Esses seriam desafios que se colocam, se queremos construir uma alternativa para além do capital. E acrescenta:

 O exercício do trabalho autônomo, eliminado o dispêndio de tempo excedente para a produção de mercadorias, eliminado também o tempo de produção destrutivo e supérfluo (esferas estas controladas pelo capital), possibilitará o resgate verdadeiro do sentido estruturante do trabalho vivo, contra o sentido desestruturante do trabalho abstrato para o capital. Isso porque, o sistema de metabolismo social do capital, o trabalho que estrutura o capital, desestrutura o ser social…. Numa forma de sociabilidade superior, o trabalho, ao reestruturar o ser social, terá desestruturado o capital. ( Antunes, 1999: 182).

Mas as próprias contradições dessa sociabilidade capitalista abrem caminhos para a construção de uma “individualidade social”, nos termos de Palloix e Zarifian (1988), capaz de se reapropriar do sentido e do conteúdo das relações com o mundo, com os outros e consigo mesmo. Segundo Bihr (1998), oferecem claramente condições para uma estratégia revolucionária. A hipótese do autor é que essa estratégia teria como base redes organizadas de contrapoderes [3], originárias do desenvolvimento de projetos alternativos dentro e fora do trabalho, tornando possível a construção de um outro tipo de sociedade.

O processo se daria de forma gradativa, onde uma primeira etapa se caracterizaria por práticas parciais e locais de contrapoderes, dentro e fora do trabalho, apoiando uma autogestão dos trabalhadores, de suas lutas, organizando-se em coletivos de base nas empresas e nos bairros, ao mesmo tempo que desenvolveriam projetos alternativos a serem executados pelos próprios trabalhadores. É possível supor que a experiência do Repensar tenha se constituído num contrapoder localizado, dentro do trabalho, que procurou criar uma “outra maneira de trabalhar” e foi esse sentido radical do Repensar que esbarrou com as relações sociais que dão sustentação ao trabalho abstrato – no plano de sua materialidade – e que não suporta a subversão das relações de poder no trabalho, pois ela pode facilitar a subversão das relações de poder do trabalho.

A segunda etapa seria de multiplicação e coordenação das práticas anteriores, na mais ampla escala de regiões, nações ou grupo de nações, criando uma sociedade alternativa, ampliando os espaços de liberdade, com base na existência de redes densas de cooperativas, de movimentos sociais, gerindo planos inteiros da vida social e econômica (por exemplo os equipamentos coletivos e os serviços públicos), num processo de reapropriação e gestão democrática, de pelo menos, algumas das engrenagens da vida social.

Esse processo criaria uma realidade em última análise, instável e transitória, e que levaria a um enfrentamento com o poder oficial. A terceira etapa seria precisamente o momento da “ruptura” com o capitalismo, onde o contrapoder proletário chega a desmantelar o aparelho do estado para substitui-lo na gestão geral da sociedade. Para Bihr, essa estratégia permite superar a oposição estéril entre luta por reformas e luta revolucionária, pois assegurar a extensão e o enraizamento de contrapoderes no seio da vida social, difundindo ao mesmo tempo, através deles, uma cultura antiautoritária; é criar simultaneamente uma pressão transformadora sobre o capitalismo atual, para modificar as regras do jogo em um sentido favorável aos trabalhadores.
A utopia de Alan Bihr é inovadora não só na sua estratégia de contrapoderes, mas também por defender um projeto de transformação social que articula o desejo de autonomia individual com as lutas que visam garantir as condições de emancipação coletiva, ou seja, integra a realização de cada um, da sua individualidade, à construção da nova sociabilidade.

Sou apenas um homem de teatro. Sempre fui e sempre serei um homem de teatro. Quem é capaz de dedicar toda a vida à humanidade e à paixão existente nestes metros de tablado, esse é um homem de teatro. Nós achamos que é preciso cantar – agora, mais do que nunca é preciso cantar. Por isso,

“Operário do canto me apresento,
sem marca ou cicatriz, limpas as mãos,
minha alma limpa, a face descoberta,
aberto o peito e – expresso documento –
a palavra conforme o pensamento.
Fui chamado a cantar e para tanto
Há um mar de som no búzio de meu canto
Trabalho à noite em revezamentos.
Se há mais quem cante, cantaremos juntos;
Sem se tornar com isso menos pura,
A voz sobe uma oitava na mistura.
Não canto onde não seja a boca livre,
Onde não haja ouvidos limpos e almas
afeitas a escutar sem preconceito,
para enganar o tempo – ou distrair criaturas já de si tão mal atentas,
não canto.
Canto apenas quando dança,
Nos olhos dos que me ouvem, a esperança”

Do poema “Da profissão do poeta”
De Geir campos

 

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